segunda-feira, 6 de abril de 2015

Dia do índio

Mim não entender
Porque associar erro de português formal
Com o jeito de falar do indígena nacional.
Ora! Este não tem a língua portuguesa como natural...
Mim achar confuso, pejorativo e imbecil.
- Fala de um estrangeiro alemão
Sobre o dia do índio no Brasil.

Paisageira da janela

O sol se põe
A lua resplandece
A estrada escurece
Até que o sol renasce.
Na viagem, a moça que observa
Chamo de paisageira da janela.
Porque de tanto olhar
A paisagem permanece nela.

Banquete

Quando amar não é permitido
Eu sei que o mundo está errado.
Pecado é morrer de fome
Conjugando a moral burguesa.
Se o amor é o que está na mesa,
Que o mundo seja saciado.
Façamos o prato de nossas delícias:
Mundanas coisas humanas
Sagradas demais.
Divinas de tão dádivas.
Ávidas pela liberdade.
Que não sejam póstumas
de tanta hipocrisia.

Separação

Na divisão de bens
Ela ficou com o juízo
E eu sem.

Jeito de viver em paz

Ninguém sabe, ninguém viu.
Mataram mais dois sem terra no Brasil.
Em Poti, onde Alves é a cor da morte,
toda a falta de sorte consigo traz:
subemprego, veneno, latifúndio.
A força da cerca mata mais do que a falta d'água.,
matam como quem matam nada,
matam com todo o ódio do mundo
Trabalhador e trabalhadora que não se cala.
Nos jornais são números.
No peito, a falta:
Presença na frente de batalha
Contra o fuzil neoliberal.
É tempo de guerra,
Severino, Joana, Margarida, Tomás!
Presente, presente, presente!
Em tempos de guerra, lutar pela terra
é o jeito de viver em paz!

Pôr do sol

Sendo o clarão do sol
Ou a noite engolindo a lua,
Somos a maior parte do tempo
Tão só aquilo que flutua:
A espera de quando
por alguns minutos
seremos encontro.
Faz algum sentido que o mundo pare
Para ver o nosso beijo, gozo,
morte e vida no céu.

Dá em poesia

Notas de mi re dó
Fazem as canções da rua
Que nem no mapa tem.
Mi, re, dó...
Dó de quem?
Tão dissonantes são as nossas melodias.
Uma linha tênue entre ser eu e ser você,
Prisão sem corrente.
Somos plenos na escolha de nossas alforrias.
Somos livres até para não nos encontrarmos em utopia.
Se a gente não der em nada,
a gente dá em poesia.

Colheita


Plantei Manoel de Barros
e colhi as coisas mais sem importância:
as essenciais.

A poesia que me pariu


A poesia que me pariu
Para que eu fosse minha.
Em cada verso, em cada linha:
Reescrever a história, a punho forte!
Desafiando o verbo patriarcal,
O pecado neoliberal,
O batismo de sangue racial,
e toda hipocrisia sexual.
A poesia que me pariu.
Eis o meu pacto de vida!

Licença 2

Licença poética
É escrever com minha própria mão
A palavra que me liberta.

Você não sabe me escrever!


Você não sabe me escrever, poeta!
Esta é bem a verdade.
Romance industrial burguês
Só alimenta a tua vaidade
E eu digo logo de uma vez:
Minha moral sexual não cabe
Na estrutura patriarcal de vocês!

Não fale de mim, poeta!
Se não sabe o que faz,
Atenção para o alerta:
Não sou Marília de Dirceu
Amélia ou Isaura.
E sou.
Sou Nísia Floresta, Frida, Dandara.

Poeta, meu caro, por favor me leve a mal!
Mas não me use pra vender
Seu livro ou seu jornal.
O meu corpo e a minha vida,
Quero longe dessa falsa liberdade liberal.

Entenda, poeta, poetinha...
A mudança do mundo passa pelas minhas mãos
Quando sou eu quem escrevo minha história
e de minhas irmãs.
Passa pela minha mente e coração
Quando me livro do padrão e sou quem desejo ser.
Passa pelas minhas pernas, prazer!
O amor e a sexualidade que quero viver.
Passa pela minha decisão:
Ser mãe ou não ser, direito individual.
Passa pelo meu trabalho dividido com você por igual.

Se não sabe me escrever assim,
Não verse sobre mim.
Virtude bonita é a tal da humildade.
Das alegrias e dores,
Da luta árdua diária, eu sei.
Mulher tem a beleza da poesia
Com a força revolucionária.

Poema de mão

Tem poemas que têm mãos.
Te acariciam a cabeça,
Vão galgando o seu corpo,
Ganhando braços, pernas e coração.
Poema de mão tem gosto doce
e verso forte.
Tem toda a sorte flor em jardim.
Vai indo, vai indo...
E você deseja que não chegue ao fim.
Tem gente que é poema de mão
E se escreve na gente assim.

Sororidade


Ontem quando olhei no espelho
Meu cabelo cacheou,
Minha pele era de toda cor´
E eu estava em toda parte do mundo.
Nas favelas e guetos
Nos mais altos andares
Nos quilombos de palmares
Que a gente finge não ver.
De repente, eu era a mãe que chora,
A feirante traída,
A viciada em crack,
A funkeira mal falada,
A agricultora ignorada,
A lésbica perseguida,
A mulher ensanguentada
Pelo machismo desta sociedade.
Eu me sinto as putas das ruas e as cafetinadas,
Bruxa carregando a fogueira dos olhares
De maldição desejada.
Cordeiras e lobas
Nas armadilhas, julgadas.
Na resistência, não mais caladas.
De repente eu me vi milhares
E continuava sendo eu mesma.
De repente eu me vi mulheres
E não me reconhecia mais
Sozinha.

Me balança

Depois do orgasmo
procuro ajustar o corpo no lugar,
Fechando e abrindo os olhos pra admirar
as coisas de todo o dia:
Uma rosa nascendo em cada poro.
Uma casa sem porão.
É tão claro!
Os ventos alisam meu corpo inteiro
Sendo eu mesma paisagem de seus olhos.
Sinto que aproveito cada partícula gostosa sua
Que sua
E soa aqui dentro do peito.
Amar você é feito música e dança.
Não tem jeito.
Me balança, me balança!

Porque eu não sou albergue


Quando você sair,
Trocarei logo o lençol da cama.
É rito de passagem.
Se viesse pra ficar,
Espalharia pétalas por todo o canto,
Avenida de desfilar desejo.
E meu corpo, em flor,
Seria todo dia o seu lar.
Mas se estais de visita...
Não garanto vaga pra dormir
Porque eu não sou albergue.

Poesia de quinta

Minha poesia é de quinta!
Como é quinta a roupa que eu visto
A comida que eu como,
A bebida que eu bebo,
As gentes com as quais ando
E os becos por onde festejo.
A quinta é tudo que não cabe
no verso tolhido,
na rima rica,
no livro que não publico.
A quinta é a quina da menina
dos sonhos, roubada.
A quinta são as tripas expostas
do massacre nas páginas policiais.
A quinta é o que me é negado
E é a resposta que não se satisfaz.
A quinta é a boca dos que não morrem afogados
no mar de primeira, segunda, terceira, quarta...
Mil tentativas válidas nos sonhos que latejam
in-can-sa-vel-mente.
A quinta não mata,
não mente a dor que sente
e nem a força do que é capaz.
A quinta é o povo junto fazendo pirraça
Pintando os muros, palavreando as praças,
Bombeando sangue nozói e no coração.
Um jeito diferente de fazer amor
E de fazer revolução!

Estrelar

Terra que quero ser semente.
Meu olho te vê nu e se sente
Casa adentrada sem ter parede,
Garganta que acaba de engolir aguardente.
O pêlo quase deixando a pele.
A boca seca e dormente
De tão demente visitar teu sabor.
Não durmo,
Pudera!
Em tua cor de noite,
eu só quero ser lua
e esparramar estrelas...

Rio


A gente se sorriu.
E só o rio
ficou entre a gente

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Não tem dono,
Não tem cerca.
Pequeno lote
[que cabe o mundo]
Garante boa produção.
Neste país em que nada é dado,
Tudo é conquista:
Ocupe este coração!

Sexta feira 13

Na sexta-feira 13 de lua cheia que passou,
Eu deitei com os deuses e deusas
No banho do cio, prateada e liberta
Dos algozes desta casa de leis polidas, sólidas, incertas.

Na sexta-feira 13 de lua cheia que passou,
Um líquido quente e encorpado me tomou.
Lambuzou meu lábio inferior
E me deu o prazer de beber de mim mesma.

Na sexta-feira 13 de lua cheia que passou,
Eu fiz um banquete de cada parte do meu corpo.
Sendo pouco, eu comi o cosmo
Pra explodir no infinito do meu peito

Fui nada e tudo. Sombra e luz. Ausência e preenchimento.

Na noite de sexta-feira que passou
Eu beijei e gozei sol
Enquanto a noite festejou e atiçou
[nas minhas veias latinas]
os sonhos que nunca vão abandonar.

Na última sexta-feira 13 de lua cheia,
Eu pus minha alma pra passear:
Disposta a saborear a vida,
despida do medo de me amar.

(in) conscientemente a lua foi convite.

Mas que todos os dias eu possa decretar:
Mulher, meu corpo é uma festa!



Direito de amar


Acaba a noite
Não tem mais bebida.
Acabaram as fichas
Das apostas que fiz demais.
Não toca mais aquela música.
Dançar, agora, tanto faz.
Acabou-se o tempo
Das horas que eu não conto mais.
Apagaram as luzes.
Nem contaram até três.
Sabotaram o meu show
- E eu não tô pra freguês.
Acabou o salário
Inda sobra tanto mês.
Tremo de indignação!
Acabou o feijão, o arroz.
Acabamos nós dois.
E, desta vez, a dor foi mais doída.
Ainda que finde tudo nesta vida,
a revolução se fará.
Não matarão os sonhos de outro mundo.
Nem a solidão, meu direito de amar.

Rosa

Rosa não tinha destino na vida.
Rosa tinha uma cor.
Rosa escolheu se casar.
Rosa todo dia lutou:
Unha, cabelo, casa, roupa, comida...
Rosa sempre cuidou.
Seu filho vai ser alguém na roda viva
Que Rosa mesmo girou.
Que Rosa bonita brotou!
Rosa que sempre deu de si
Pétala por pétala
Não matem a Rosa!
Deixem a Rosa cheirar
O cheiro que ela quiser ter.
Deixem a Rosa ser mulher.
Deixem a Rosa amar.
Rosa livre:
É o verso que desejo acrescentar.

Horas nossas de cada dia


Sai a lua e Taisa não vem pra rua.
Ela demora.
E porque demora
a gente apressa de sua presença.
É que ela se perde no tempo do remanche.
Mas quando ela vem, uma recompensa:
Um sorriso descabido
rindo do tempo que não é o dela.
O tempo é a medida que nos presenteia ou nos domina?
A gente aprende a fazer hora da vida.

Irmandade


Hoje eu acordei cedinho
Abri a porta do seu quarto
E você estava lá:
Ufa!
Eu estava cansada
De não ter que dividir a saboneteira
do lado do chuveiro,
a pia do banheiro,
a comida de mamãe
e o cuidado de vovó.
Você de novo aqui
é bom pra dividir,
somar, multiplicar...
Mas se for pra subtrair,
que seja a saudade.
Coisa boa é na vida
nossa sempre irmandade.

Tua vinda


Tua vinda é bem vinda
Tem teto e afeto
abrigo e comida.
Onde dormiu a saudade,
ausência sentida,
acordamos alegria:
Tua chegada nunca foi partida.
Nosso amor
É tua morada garantida.

Sobrevida


Estar nos seus braços
Me traz segurança
Inquieta e mansa
Não porque são os braços do macho.
Poderíamos ser nós dois duas fêmeas
Almas gêmeas
Tempo-espaço.

Me encontrar no seu abraço
É fazer da vida o laço
Que descansa a sobrevida

O velho e o pé de serra

Ele não é de muitas palavras
Só de serenidades.
Meio sorriso no olho
Toda a paciência de quem se sabe
Pedra, pé de serra e pasto.
Cachimbo e uma caneca d'água
Paisagem raiz profunda e semente
Que cultiva a vida com alma
E faz desacelerar a vida da gente

Gozo


Entre as minhas pernas
Feito carne amaciada
e crua.
Nua feito lua
Prateada em minhas pernas.
Os seios ouriçados,
O corpo inteiro ferve.
Treme.
Enrijece.
Os olhos pedem
Como quem pede ao garçom
uma dose a mais,
à noite, grita: não passe!
Infinita é uma sede que nem esta.

Buquê

Dedicado às queridas Hionne e Ellen. Que tenham uma feliz vida juntas! 


A que nasce da pedra da serra mais alta,
A que nasce no buraco do asfalto
[numa rua vagabunda]
perto lá de casa.
É tudo flor, é a mesma.
Quando é cheiro de aconchego
Gozo e café bem passado,
É trilha sonora que vibra,
Cintila, dilata a pupila.
É flor que vira estrela,
Sol e lua dentro da barriga,
Do sexo, da virilha.
Quando a flor (r)existe
[porque só respirar é tão pouco]
faz querer dividir o que é melhor
em uma pra somar em outra
sem se importar com os outros.
- Comida sem carne!
Mais uma escova no banheiro.
E a decoração de natal
[Que sempre achara brega]
está lá: in-con-tes-tá-vel!
- Vamos comprar um karaokê pra sala?
Fizeram o mesmo corte de cabelo.
Tava tão claro nos sorrisos
O que estavam mais do que prontas
para anunciar:
A flor mais bonita,
O buquê do direito de amar iguais
Vencendo a dor e a negação
Dessa sociedade incapaz.
Quando o amor vence o medo,
É a celebração da vida,
A flor maior que o tabu!
E que venham mais dias
de beijos e desejos
além das páginas dos jornais.
Nos muros do preconceito
escrevam dias de paz
Na casa que escolheram
Para juntas serem mais.

Varanda

O meu peito é uma janela
Que dá para o sol.
Em peito solar
Com vista pro mar.
É o próprio mar
Beirando infinito.

Lua e noite

A lua brilha como sempre
A noite me parece fresca como nunca
E a vontade de te ter aqui
Tem mais brilho e frescor
Do que antes.
Sem apagar a luz
Sorrio pensando
Quanto de noite e lua
Somos nós dois.

Humanices

Não são calçadas
Nem pilares
Nem metrôs
Nem pontes.
Dormem rua,
Acordam rua.
São carne crua.
E carne humana.